Yerma
Yerma, um projecto de teatro performativo com direcção e encenação de João Garcia Miguel a partir da reescrita do poema dramático homónimo, datado de 1934, de Federico García Lorca, onde o tema específico da esterilidade de um casal é descrito segundo uma perspectiva feminina – expondo um ambiente de mistério e poesia próprio da cultura da Europa do Sul.
Yerma é o nome de uma mulher casada que deseja ter um filho como todas as outras mulheres à sua volta. Descobre que o marido não lhe consegue dar esse filho que deseja; desespera, não se resigna e resiste à ideia de ficar prisioneira de uma esterilidade da qual não se considera culpada e trilha o caminho que a levará à sua tragédia pessoal.
Há algo de demiúrgico na acção de Yerma, que toma nas mãos o futuro e faz-se protagonista do seu destino. À semelhança de Antígona, Yerma é inflexível, e tal como Medeia, mata o seu próprio filho. Estas mulheres agem a partir dos sentidos que emanam dos seus universos interiores, que servem de base à construção do seu mundo pessoal. Yerma é o reflexo e sinónimo de falência dos argumentos racionais e das palavras. O que não consegue construir com as palavras concretiza com as suas próprias mãos através do sacrifício do corpo.
Nesta obra, Federico García Lorca mostra-nos a dor e o poder da impotência em múltiplas dimensões: a impotência das regras estabelecidas perante o espírito e a vontade individual, a impotência dos laços sociais perante a animalidade e as forças que se ocultam no nosso corpo, a impotência das palavras e dos acordos de convivência humanos que resultam invariavelmente em violência e rupturas profundas; e também o seu reverso: a impotência do indivíduo perante as forças da lei e da moral. É para lá das fronteiras da impotência, num território desconhecido, que se gera a violência onde se movem forças livres em oposição. Os universos interiores de Yerma e Juan, o seu marido, parecem destinados a destruírem-se, como uma alegoria do fim das coisas. O seu desentendimento descobre tensões entre o marido e o amante, entre o pai, a mãe e o filho, entre a mãe e a mulher casada, tensões interiores que precipitam o fim das suas vidas, cujo sentido maior se perdeu. Essa alegoria do fim das coisas é um jogo de morte, onde esta surge como um gesto de defesa, contra a fatalidade, contra a impossibilidade de concretizar sonhos.