O Rosto de Camões

Esta exposição é uma homenagem a Camões, cuja obra e legado continuam a unir povos e culturas através da língua portuguesa. É um convite à reflexão sobre a nossa identidade coletiva e a riqueza da diversidade que ela encerra”
“Os modelos foram cinco homens e cinco mulheres de diferentes idades e origens dos territórios de língua portuguesa, figuras anónimas, simbolizando assim a diversidade e unidade da língua portuguesa «O Rosto de Camões», uma reflexão artística concebida pelo artista João Francisco Vilhena.
Para assinalar as comemorações dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, a Casa da Cidadania da Língua de Coimbra apresenta a exposição «O Rosto de Camões», uma reflexão artística concebida pelo artista João Francisco Vilhena.
Trata-se de «Uma reflexão histórica: A conexão entre a imagem de Camões e a epopeia dos Lusíadas, celebrando a grandeza e a decadência de Portugal», com uma exposição de um ensaio fotográfico de dez retratos, inspirados no célebre retrato de Luís Vaz de Camões, pintado a sanguínea, da autoria do pintor Fernão Gomes, realizado entre 1573 e 1576.
Os modelos foram cinco homens e cinco mulheres de diferentes idades e origens dos territórios de língua portuguesa, figuras anónimas, simbolizando assim a diversidade e unidade da língua portuguesa.
Cada um dos modelos enverga os trajes típicos do século XVI, incluindo a emblemática gorgeira,
emblemática gola que Camões exibe no retrato.
Segundo João Francisco Vilhena, «o rosto de Camões é um manifesto fotográfico onde todos os retratados de tons de pele, idades e sexos diferentes se unem pela gola branca camoniana e nos revelam a luz, bela e tranquila, dos seus rostos, numa unidade humanista e linguística».
Para José Manuel Diogo, presidente da Associação Portugal Brasil 200 Anos, «esta exposição é uma homenagem a Camões, cuja obra e legado continuam a unir povos e culturas através da língua portuguesa.
É um convite à reflexão sobre a nossa identidade coletiva e a riqueza da diversidade que ela encerra.»
Por sua vez, José Manuel Silva, presidente da Câmara de Coimbra, considera ser «um grande orgulho receber esta exposição na Casa da Cidadania da Língua, um espaço dedicado à celebração e promoção da língua portuguesa.
‘O Rosto de Camões’ é um tributo à nossa história e cultura, e uma celebração do futuro que construímos juntos.»
AAssociação Portugal Brasil 200 Anos foi fundada com o propósito de fortalecer os laços culturais e históricos entre Portugal e Brasil, e tem tem sido uma plataforma para eventos significativos que destacam a herança compartilhada entre os dois países.
A inauguração da exposição terá lugar no dia 10 de junho, pelas 15h51.
João Francisco Vilhena Fotógrafo e idealizador da exposição “O Rosto de Camões”, em cartaz em Coimbra até 31/8 Imagens de Camões tornaram-se tão icônicas na cultura portuguesa quanto seus versos, popularizadas por uma marca que ganhou ares pop: a ausência do olho direito —ou seria o esquerdo?. Idealizador de exposição em homenagem aos 500 anos do poeta, fotógrafo comenta os enigmas que cercam essas imagens e o que elas revelam de todos nós que falamos português.
O que é a arte? O que é a criação? A arte é, de certo modo, a origem simultânea do artista e da criação. A arte encontra-se na concepção. A arte é o invento da humanidade, espelho do ser humano e da sua capacidade criativa, enquanto ser pensante e gerador de ideias, crenças e valores religiosos, políticos, simbólicos, marcados nas memórias, pela vida e morte.
O retrato como criação artística é das manifestações de arte mais importantes que existem, desde a Antiguidade até a época contemporânea. A figura humana é o centro e a representação de tudo, numa verdadeira evocação da alma.
Portuguesa, filha de pais oriundos de Guiné-Bissau, posa com vestimentas e posição idênticas as do poeta Luís de Camões em quadro icônico pintado por Fernão Gomes nos anos 1570. Imagem faz parte da exposição “O Rosto de Camões”, em Coimbra, na qual o fotógrafo João Francisco Vilhena retrata como Camões dez pessoas de países de língua portuguesa, de cores e idades diferentes. – João Francisco Vilhena/Divulgação
Será que vislumbramos a alma de Camões em algum dos seus retratos? As primeiras imagens do poeta chegam-nos através do livro impresso e da gravura em metal. Será que esses retratos nos ajudam a refletir sobre o seu rosto? Para encontrar a essência da alma do poeta, procuramos a obra real e perguntamos-lhe: o que é e como é.
Os retratos mais antigos, que nos são dados a conhecer, encontram-se na obra “Discursos Vários
Políticos”, 1624, de Manuel Severim de Faria, onde o rosto de Camões é representado numa gravura. Na mesma obra encontramos, ainda, uma descrição do nosso poeta: “Foi Luís de Camões de meã estatura, grosso e cheio do rosto, e algum tanto carregado da fronte, tinha o nariz comprido levantado no meio, e grosso na ponta; afeava-o notavelmente a falta do olho direito, sendo mancebo teve o cabelo tão louro, que tirava o açafroado”.
Quinze anos mais tarde, em 1639, a cegueira do poeta é transferida para o olho esquerdo na gravura de Pedro de Villafranca, publicada na obra “Lusíadas Comentadas”, da autoria de Manuel de Faria e Sousa.
De que modo a leitura deste retrato, da gravura do artista espanhol, interfere no nosso imaginário e como esse olhar atua sobre o mistério da iconografia camoniana?
Entramos uma hipotética resposta a este enigma: um retrato de Camões, feito à pena, por Faria e Sousa, considerado à época uma das melhores plumas da Europa, no qual Villafranca se baseou para executar a sua gravura.
No desenho de Faria e Sousa, também faltava o olho direito. Pode ser que o pintor, procurando ser rigoroso na cópia da gravura transposta para a chapa de seu livro, tenha se esquecido de que a reprodução resultava no seu inverso. Ou pode ser que a gravura de Villafranca fosse uma tentativa de corrigir o desenho de Faria e Sousa, que seria uma cópia, e não o original.
randa misteriosa a respeito do rosto de Camões. Sabemos que o retrato em que Faria e Sousa se baseou para fazer o seu desenho é a gravura de A. Paulus, impressa em “Discursos Vários Políticos”, que pode ter sido, também, baseada em retrato encomendado pelo padre Manuel Correia, amigo e comentador da obra de Camões. Esta gravura é o ponto de partida para a criação do modelo de imagem do poeta que nos acompanha até hoje.
Nos 500 anos da morte de Vasco da Gama (1469-1524), o navegador português que abriu um novo caminho marítimo para a Índia, celebram-se, também, os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões.
O poeta morreu em 10 de junho, quando se comemora o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
É curioso que duas datas tão significativas de ícones portugueses se cruzem neste ano de 2024. “Os Lusíadas”, obra maior de Camões, canta as aventuras do povo lusitano e de Vasco da Gama.
O poema da grandeza de Portugal, contudo, é simultaneamente o início da sua decadência. Dom Sebastião morreu na batalha de Alcácer Quibir (4 de agosto de 1578) e Camões, em 1580, ano da crise dinástica e do nascimento do mito do sebastianismo. Portugal perdeu então a sua independência durante 60 anos, e a União Ibérica foi regida pela dinastia filipina.
Refletindo sobre todos esses aspectos, elaborei a exposição “O Rosto de Camões”, reflexão pessoal, em forma de imagem fotográfica, inspirada no célebre quadro sobre o poeta: o retrato pintado a vermelho, gravura a buril, cópia do original que se encontra perdido, de autoria de Fernão Gomes, pintor português de origem espanhola, adquirido pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, em 1988, para o estado Português.
Este desenho a sanguínea estima-se que tenha sido feito entre 1573 e 1576. Pensa-se igualmente que é deste retrato que Camões se refere nas suas redondilhas: “Retrato, vós não sois meu; / Retrataram-vos mui mal; / Que, a serdes meu natural, / Fôreis mofino como eu.”
Partindo deste quadro, onde o poeta é representado, melancolicamente, na tradição da pintura maneirista, concebi dez retratos, a cores, de dez figuras anônimas, com diversas idades e diferentes origens, de territórios de língua portuguesa.
Cinco homens e cinco mulheres, jovens e adultos, vestidos com gibões e a gola de Camões, a gorjeira branca, peça de vestuário utilizada por homens, mulheres e crianças, desde meados do século 16 ao 17.
Parti do conceito de que todos somos Camões.
O número dez é o ponto de partida para o meu ensaio fotográfico. “Os Lusíadas” têm dez cantos e, tal como a “Odisseia” de Homero, o poema épico de Camões é composto por cinco partes.
O cinco é o símbolo do homem e do universo, da ordem e da perfeição. Dez é o número de conclusão e renovação, reflete a conexão entre o mundo material e espiritual; dez são os territórios onde se fala português: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
A fotografia é responsável pela reinvenção do olhar e da experiência sensorial, através da projeção de memórias e novas representações dessas mesmas memórias. A ideia que o ser humano tem de si está intimamente ligada à imagem que reconstrói com a realidade.
Neste período de angústia existencial e de uma profunda crise de valores sociais e culturais, é necessário criar condições para o surgimento de uma nova realidade baseada em uma dimensão verdadeiramente humanista, virada para todos, sem exclusão da cor, gênero, sexualidade ou idade.
“O Rosto de Camões” é um manifesto fotográfico onde todos os retratados, de tons de pele, idades e sexos diferentes, se unem pela gola branca camoniana e nos revelam a luz, bela e tranquila, dos seus rostos, em uma unidade humanista e linguística.
As relações humanas são uma mistura de bênção e maldição. Nestes tempos de individualização, a solidão é a grande ameaça da sociedade; o diálogo e a comunicação estão-se a perder. Temos por isso de “roçar a língua de Luís de Camões” e ter na voz de Camões “a voz de todos nós”.