Flexágono 2024
“O papel do escritor”, declarou Albert Camus, “não está desprovido de dificuldades. Por definição, ele não se pode colocar ao serviço, nos nossos dias, daqueles que fazem a história. Antes, sim, ao serviço daqueles que a sofrem”.
Seja pela experimentação formal, que obriga a ver de outra maneira, seja pelo testemunho, que faz ver o que outros vêem, essa tarefa é também cumprida pela banda desenhada, a qual, sendo um território artístico próprio, possui uma forma de ver particular. A sua convivência com outras artes leva a uma estimulante reflexão, justificando assim a presença da Flexágono no Festival Fólio, mais uma vez no magnífico Museu Abílio de Mattos e Silva.
Abre-se espaço a um número de autores que têm feito da experimentação , assim como das naturezas camaleónicas no que diz respeito ao “estilo”, as suas assinaturas autorais, como é o caso dos veteranos Filipe Abranches, Maria João Worm, Miguel Rocha e António Jorge Gonçalves, assim como o mais jovem, mas não menos fértil André Coelho, que tem estendido os horizontes da prática do desenho narrativo com um sistema contínuo de referências muito próprias. José Smith Vargas e Miguel Santos são autores presentes com obras que têm, por seu lado, criado novos contornos na intervenção e na reimaginação política da banda desenhada portuguesa. E ainda está presente a artista Alexandra Saldanha, cujo contributo atinje sobretudo uma recuperada verve psicadélica, eléctrica e interdisciplinar, que não deixa de tocar ambas as dimensões citadas, da experimentação visual e formal, e as possibilidades políticas da banda desenhada.
A Flexágono tem duas dimensões inéditas neste ano de 2024. A primeira trata-se do desejo de, no seu gesto de dar espaço privilegiado às correntes actuais da criação, não esquecer a sua história e unir-se à celebração dos 50 anos do 25 de Abril, pelo que alberga uma exposição de materiais históricos, numa curadoria de Paulo Monteiro, importante autor, e director da Bedeteca de Beja. A segunda é a inclusão da área da animação. “Prima”, “contígua”, ou noutra relação com a banda desenhada, este é também um espaço privilegiado das imagens narrativas. Nesta edição, apresentamos alguns dos filmes que têm feito a glória da produtora portuguesa COLA Animation, acompanhado de alguns materiais de produção, e os resultados dos filmes produzidos pela população escolar de Óbidos, ao abrigo do programa da CMO, Óbidos Anima.
Como extensão da exposição na senda da reflexão que a banda desenhada permite, organizar-se-ão duas mesas-redondas, nos Sábados, 12 e 19 de Outubro.
Pedro Moura
Curadoria FOLIO BD